
A Ceia do Senhor é um dos sacramentos instituídos por Jesus Cristo para a sua igreja. Ela é um meio de graça, um sinal e selo da aliança de Deus conosco, e uma comunhão com o corpo e o sangue de Cristo. Ela nos alimenta espiritualmente e nos confirma a nossa salvação em Cristo. Mas com que frequência devemos celebrar a Ceia do Senhor? Neste texto, defendo que devemos celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos.
A primeira razão para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos é o exemplo da igreja primitiva. Em 1Coríntios 11.17-34, Paulo repete cinco vezes que a igreja recebeu a Ceia quando eles se reuniram (1Coríntios 11.17, 18, 20, 33, 34); e isso acontecia no primeiro dia da semana (1Coríntios 16.2). Em Atos, vemos que os primeiros cristãos se ajuntavam no primeiro dia da semana para partir o pão (Atos 20.7). Quanto a isso, R. C. Sproul escreve:
Ao longo do Novo Testamento vemos que os primeiros cristãos se reuniam semanalmente para celebrar o partir do pão e o sacramento da Ceia do Senhor. Esse partir do pão e celebração da Ceia do Senhor eram o cerne da adoração corporativa regular da comunidade cristã. A igreja se reunia no domingo porque no coração da nova aliança estava a celebração da ressurreição de Jesus. O domingo era conhecido desde o início como o Dia do Senhor. Então, nos deparamos, já na época apostólica, com a igreja se reunindo para pregação da Palavra e celebração do sacramento no primeiro dia da semana. [1]
Isso é confirmado pelo testemunho dos Pais da Igreja. Segundo Justino Mártir, os cristãos celebravam a ceia como parte de sua liturgia semanal (Primeira Apologia, 67). Outros registros dos Pais, como a Didaquê, as Tradições Apostólicas de Hipólito e Agostinho, em sua Carta a Januário, confirmam a comunhão semanal como uma prática cristã, parte integrante da vida da igreja, e não algo ocasional ou esporádico.
A segunda razão para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos é que essa era a posição de João Calvino, o reformador de Genebra. Calvino era um defensor da celebração frequente da Ceia do Senhor, pois ele entendia que ela era um meio de graça indispensável para a nossa fé. Ele escreveu nas Institutas:
É evidente que este costume que nos obriga a tomar a comunhão uma vez por ano é uma verdadeira invenção do diabo, quem quer que tenha sido o responsável por introduzi-lo [...] Pois não há a menor dúvida de que a Santa Ceia era naquela época [na igreja primitiva] colocada diante dos crentes todas as vezes que se reuniam; e não há dúvida de que a maioria deles tomava a comunhão [...] Deveria ter sido feito de forma bem diferente: a Mesa do Senhor deveria ter sido preparada pelo menos uma vez por semana para a assembleia dos cristãos, e as promessas declaradas nela deveriam nos alimentar espiritualmente. [2]
Ele disse ainda:
[...] a Santa Ceia bem que podia ser administrada santamente, se com frequência, ou pelo menos uma vez por semana, se propusesse à Igreja como segue: no início se faria orações públicas; a seguir viria o sermão; então, postos na mesa pão e vinho, o ministro repetiria as palavras da instituição da Ceia; depois, reiteraria as promessas que nos foram nela anexadas; ao mesmo tempo, vedaria à comunhão todos aqueles que são dela barrados pelo interdito do Senhor; após isto, oraria para que o Senhor, pela benignidade com que nos prodigalizou este alimento sagrado, também nos receba em fé e gratidão de alma, nos instruindo e preparando; e, uma vez que por nós mesmos não somos dignos, por sua misericórdia aprouve nos dignificar para tal repasto. [3]
Calvino desejava que a Ceia do Senhor fosse celebrada todas as semanas, mas ele encontrou resistência das autoridades civis e eclesiásticas da sua época, que temiam que isso levasse à superstição ou à banalização do sacramento. Por isso, ele teve que se contentar com uma celebração mensal ou trimestral. No entanto, ele deixou claro que esse não era o seu ideal, e que ele esperava que as igrejas reformadas pudessem um dia restaurar a prática apostólica. [4]
A terceira razão para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos é que isso não diminui o seu caráter especial, mas sim aumenta a nossa alegria e gratidão. Alguns podem pensar que celebrar a Ceia do Senhor com tanta frequência pode torná-la rotineira ou sem sentido. Mas isso não é verdade, se entendermos bem o significado e o propósito da Ceia do Senhor. A Ceia do Senhor não é um ritual vazio ou uma mera recordação histórica. Ela é uma proclamação da morte e ressurreição de Cristo até que ele venha (1Coríntios 11.26). Ela é uma participação real no corpo e no sangue de Cristo pelo Espírito Santo (1Coríntios 10.16). Ela é uma renovação da nossa aliança com Deus e uns com os outros (1Coríntios 10.17). Ela é uma antecipação do banquete escatológico no reino de Deus (Lucas 22.18).
A quarta razão para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos é que isso nos ajuda a crescer na santidade e na obediência. A Ceia do Senhor não é apenas um meio de graça, mas também um meio de disciplina. Ela nos exorta a examinarmos a nós mesmos, a confessarmos os nossos pecados, a nos reconciliarmos com os nossos irmãos, e a nos arrependermos dos nossos erros (1Coríntios 11.27-32). Ela também nos lembra do amor sacrificial de Cristo por nós, que nos motiva a vivermos para ele e não para nós mesmos (2Coríntios 5.14-15). Ela ainda nos fortalece para resistirmos às tentações do mundo, da carne e do diabo, que nos afastam de Deus e da sua vontade (1Coríntios 10:13).
A quinta razão para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos é que isso nos une como corpo de Cristo. Ela nos mostra que somos membros uns dos outros, pois participamos de um só pão e de um só cálice (1Coríntios 10.17). Ela também nos ensina a cuidarmos uns dos outros, pois devemos esperar uns pelos outros e não desprezar os mais fracos ou pobres (1Coríntios 11.33-34). Ela ainda nos encoraja a servirmos uns aos outros, pois devemos usar os nossos dons e recursos para edificar o corpo de Cristo (1Coríntios 12.7).
Uma sexta razão para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos é que isso glorifica a Deus. A Ceia do Senhor não é apenas um benefício para nós, mas também um culto a Deus. Ela é uma forma de adorarmos a Deus pelo seu grande amor por nós em Cristo. Ela é uma forma de agradecermos a Deus pela sua maravilhosa salvação em Cristo. Ela é uma forma de testemunharmos a Deus e ao mundo a nossa fé em Cristo. Ela é uma forma de nos oferecermos a Deus como sacrifícios vivos em Cristo (Romanos 12.1-2).
Em conclusão, vimos que há muitas razões para celebrar a Ceia do Senhor todos os domingos. Essa é uma prática bíblica, reformada, espiritual, edificante, comunitária, e que glorifica a Deus. Com isto não queremos dizer que todas as igrejas que não o fazem estão cometendo grave erro, mas sim que poderiam ser enriquecidas pelo uso recorrente deste meio de graça. Que possamos desfrutar das riquezas da graça de Deus em Cristo na Ceia do Senhor, e assim crescer na graça e no conhecimento de Cristo e glorificar a Deus com as nossas vidas.
_________________________
[1] SPROUL, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. Traduzido por Rubens Thomaz de Aquino. 1a edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017, p. 307.
[2] Institutas IV.XVII.46
[3] Institutas IV, xvii, 43
[4] KOYZIS, David T. The Lord's Supper: How Often? Disponível em: https://www.reformedworship.org/article/march-1990/lords-supper-how-often. Acesso em: 27 jun. 2023.